Legislação Sanitária para Indústria Farmacêutica: o que mudou?

Legislação Sanitária para Indústria Farmacêutica: o que mudou?

Sabemos que a indústria farmacêutica é altamente regulamentada. Há para cada área de operação inúmeras normas e diretrizes que visam garantir a conformidade com as regulamentações sanitárias. Por isso, quando falamos de legislação sanitária para indústria farmacêutica estamos falando de um tema literalmente fundamental para o setor: ele fundamenta todas as ações e iniciativas desta indústria.

Afinal, em um ambiente onde a segurança e a eficácia dos produtos são imperativos absolutos, as empresas farmacêuticas enfrentam o constante desafio de atender às demandas do mercado sem jamais poder negligenciar as diretrizes rigorosas estabelecidas por agências reguladoras em todo o mundo.

Sabemos que é importante se manter em conformidade com regras e regulamentos. E provavelmente a melhor maneira de fazer isto é: criar uma cultura organizacional de responsabilidade, integridade e compromisso, englobando todas as etapas do ciclo de vida do produto. Desde a concepção e desenvolvimento até a fabricação e distribuição, a aderência às boas práticas é essencial para garantir a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos que chegam às mãos dos pacientes.

Neste artigo, vamos mostrar mais profundamente como essa cultura se dá na prática e trazer as principais normas da legislação sanitária para indústria farmacêutica. Exploraremos as principais regulamentações, os requisitos de boas práticas de fabricação, bem como o papel da educação e tecnologia na manutenção da conformidade.

Agência Nacional e as Regulamentações Sanitárias

Como mencionamos na introdução, a indústria farmacêutica é entremeada por regras e regulamentações técnicas. E não apenas locais: regulamentações estabelecidas globalmente por agências reguladoras cujas diretrizes devem ser aplicadas em todos os países.

Assim, é fundamental que uma empresa farmacêutica conheça a fundo as principais normas sanitárias e se adeque a elas integralmente. A empresa deve estar atenta às novas atualizações e padrões de conformidade, além de considerar as especificidades de cada país onde atua.

Por ora iremos focar em agências e regulamentações para o nosso setor, em nível nacional:

ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)

A ANVISA é a agência reguladora do Brasil, responsável por regular e supervisionar produtos e serviços que afetam a saúde da população brasileira. Suas regulamentações abrangem desde o registro e controle de medicamentos até a fiscalização de boas práticas de fabricação.

RDC 430/2020 (Resolução da Diretoria Colegiada nº 430/2020)

No contexto brasileiro, a RDC 430/2020 é uma regulamentação basilar para as operações farmacêuticas. Esta resolução estabelece requisitos para o licenciamento, funcionamento, monitoramento e controle das empresas que realizam as atividades de transporte, armazenamento e distribuição de medicamentos.

RDC 653/2022 (Atualização da RDC 430/2020)

A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 653, de 24 de março de 2022, publicada pela ANVISA, introduziu importantes atualizações à RDC nº 430/2020. Essa atualização visa preencher lacunas e flexibilizar certos requisitos, garantindo ao mesmo tempo a segurança e a qualidade dos medicamentos durante o transporte. 

Veja comparativo com os principais pontos de atualização da nova resolução:

Controle de Temperatura e Umidade

  • RDC 430/2020: O controle de temperatura e umidade durante o transporte só poderia ser dispensado se fossem utilizadas condições de transporte qualificadas para a rota.
  • RDC 653/2022: Permite a eliminação do controle de temperatura e umidade com base em justificativas técnicas do fabricante, além das condições de transporte qualificadas. Esta flexibilização é importante para a otimização dos processos logísticos, desde que justificada tecnicamente.

Análise de Risco

  • RDC 430/2020: Não exigia análise de risco para variáveis de transporte.
  • RDC 653/2022: Exige a realização de uma análise de risco para considerar o impacto das variáveis durante o transporte, assegurando a qualidade dos produtos. Esta medida visa aumentar a robustez do sistema de transporte e garantir a integridade dos medicamentos.

Monitoramento de Variáveis

  • RDC 430/2020: O monitoramento contínuo das variáveis de transporte era necessário, exceto para transportes inferiores a 8 horas comprovados em registros.
  • RDC 653/2022: Permite o monitoramento periódico em rotas consideradas como piores casos após uma análise de risco. Esta atualização proporciona uma abordagem mais eficiente e direcionada ao monitoramento, focando nos cenários mais críticos.

Acesso de Terceiros aos Medicamentos

  • RDC 430/2020: Não especificava restrições de acesso durante o transporte.
  • RDC 653/2022: Restringe o acesso aos medicamentos durante o transporte a pessoal autorizado e treinado, aumentando a segurança contra manipulações indevidas.

Prazos para Implementação

  • RDC 430/2020: Estabelecia prazos mais rígidos para a implementação das medidas.
  • RDC 653/2022: Estende os prazos para implementação, dando às empresas até 16 de março de 2024 para cumprir os novos requisitos. Esta extensão de prazo proporciona às empresas mais tempo para realizar as adaptações necessárias sem comprometer a conformidade.

RDC 658/2022 (Diretrizes Gerais de Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos)

Em 30 de março de 2022, a ANVISA publicou a RDC 658, que estabelece as diretrizes gerais de Boas Práticas de Fabricação (BPF) de Medicamentos. Esta resolução substitui a anterior RDC 301/19, reconhecida como um marco regulatório, introduzindo melhorias e simplificações para facilitar a conformidade das indústrias farmacêuticas brasileiras.

Veja abaixo os principais pontos da RDC 658/2022:

Objetivos e Aplicação

A RDC 658/2022 tem como objetivo principal assegurar que os fabricantes brasileiros de medicamentos possam acessar mercados internacionais mais facilmente, especialmente através do Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/S). Este acesso aprimorado visa aumentar a competitividade das empresas brasileiras e impulsionar as exportações.

Estrutura e Definições

A nova resolução não modifica substancialmente as diretrizes definidas pela RDC 301/19, mas melhora a ortografia e a estrutura geral do texto, simplificando algumas definições e estabelecendo prazos de transição para a implementação de novos controles, como o controle on-line em linhas de embalagem.

Abrangência

A RDC 658/2022 se aplica a todas as empresas envolvidas na fabricação de medicamentos, incluindo medicamentos experimentais destinados a ensaios clínicos. Isso garante que todas as operações, desde a produção até o controle de qualidade, estejam alinhadas com as melhores práticas.

Revogações

Com a publicação da RDC 658/2022, foram revogadas as seguintes resoluções:

  • RDC nº 301, de 21 de agosto de 2019
  • RDC nº 388, de 26 de maio de 2020
  • RDC nº 580, de 26 de novembro de 2021

Prazos de Adequação

A resolução entrou em vigor em 2 de maio de 2022, com alguns requisitos já efetivados e outros com prazos de adequação variáveis, culminando em 7 de outubro de 2024. Isso proporciona um período de transição para que as empresas possam se adaptar aos novos requisitos sem comprometer a conformidade.

Responsabilidades e Qualidade

Os detentores de registro são responsáveis por fabricar medicamentos de forma a garantir a segurança, qualidade e eficácia, conforme os requisitos do registro ou autorização para uso em ensaios clínicos.

Um Sistema de Qualidade Farmacêutica abrangente deve ser implementado, incorporando as Boas Práticas de Fabricação e o Gerenciamento dos Riscos de Qualidade. Assim, esse sistema deve ser mantido com o comprometimento da administração superior e de toda a equipe da empresa, incluindo fornecedores e distribuidores.

Requisitos Específicos e Documentação

  • Controle e Monitoramento: O Sistema de Qualidade Farmacêutica deve garantir um estado de controle através de sistemas eficazes de monitoramento e controle para o desempenho do processo e a qualidade do produto. A análise da causa raiz deve ser aplicada durante a investigação de desvios e suspeitas de defeitos no produto, e deve existir um processo de autoinspeção e/ou auditoria da qualidade para avaliar regularmente a eficácia do Sistema de Qualidade.
  • Validação e Estabilidade: Validação é a ação de provar que qualquer procedimento, processo, equipamento, material, atividade ou sistema leva aos resultados esperados, e deve ser conduzida de acordo com procedimentos definidos. O monitoramento de estabilidade deve garantir que o produto permaneça dentro das especificações durante sua vida útil sob as condições de armazenamento indicadas no rótulo.
  • Documentação: A documentação é parte essencial do Sistema de Gestão da Qualidade e pode existir em várias formas, incluindo mídia impressa, eletrônica ou fotográfica. O objetivo do sistema de documentação é controlar, monitorar e registrar todas as atividades que afetam a qualidade dos medicamentos.

Lei nº 13.021/2014 para a indústria farmacêutica

A Lei nº 13.021, de 8 de agosto de 2014, estabelece as diretrizes para o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas no Brasil, garantindo a prestação de serviços farmacêuticos de qualidade e a proteção da saúde pública. Esta legislação é crucial para a indústria farmacêutica e para as empresas do setor por várias razões, que discutiremos a seguir.

Principais Pontos da Lei nº 13.021/2014

Definição e abrangência da Assistência Farmacêutica (Art. 1º a 4º)

  • A lei define a assistência farmacêutica como um conjunto de ações e serviços que visam assegurar a assistência terapêutica integral, a promoção, a proteção e a recuperação da saúde.
  • Estabelece que farmácias são unidades destinadas a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária.

Requisitos para funcionamento de farmácias (Art. 5º a 8º)

  • Farmácias de qualquer natureza devem contar obrigatoriamente com a responsabilidade e a assistência técnica de um farmacêutico habilitado.
  • Exige a presença de um farmacêutico durante todo o horário de funcionamento das farmácias.
  • As farmácias devem possuir autorização e licenciamento adequados, além de equipamentos necessários para a conservação de imunobiológicos e outros produtos farmacêuticos.

Responsabilidades e Deveres dos farmacêuticos (Art. 10º a 14º)

  • O farmacêutico e o proprietário do estabelecimento farmacêutico são solidariamente responsáveis pela promoção do uso racional de medicamentos.
  • O farmacêutico tem a obrigação de notificar efeitos colaterais, reações adversas e outros eventos relacionados à farmacovigilância.
  • Os proprietários de farmácias devem fornecer condições adequadas para o desenvolvimento das atividades profissionais do farmacêutico.

Importância da lei para as empresas farmacêuticas

  • Garantia de qualidade e segurança

A exigência de um farmacêutico presente durante todo o horário de funcionamento das farmácias garante que os medicamentos sejam dispensados com orientação técnica adequada, assegurando a qualidade e segurança dos produtos oferecidos aos consumidores.

  • Conformidade regulamentar

A lei assegura que as farmácias e outros estabelecimentos farmacêuticos operem em conformidade com as normas sanitárias, reduzindo o risco de infrações e penalidades por descumprimento das regulamentações.

  • Promoção do uso racional de medicamentos

Ao enfatizar a responsabilidade compartilhada entre farmacêuticos e proprietários de farmácias, a lei promove o uso racional de medicamentos, contribuindo para a eficácia terapêutica e a minimização de riscos de reações adversas.

  • Fiscalização e responsabilidade profissional

A obrigatoriedade de notificação de eventos adversos e a manutenção de registros detalhados garantem uma fiscalização mais eficaz e uma maior responsabilidade profissional, melhorando a confiança do público nos serviços farmacêuticos.

  • Valorização da profissão

A lei reforça a importância do papel do farmacêutico na assistência à saúde, valorizando a profissão e destacando a necessidade de uma formação técnica e ética rigorosa.

Requisitos de Boas Práticas de Fabricação (BPF)

Assim como as demais diretrizes abordadas aqui no texto, as Boas Práticas de Fabricação (BPF) são um conjunto de diretrizes e padrões que visam garantir a qualidade, segurança e eficácia dos produtos farmacêuticos ao longo de todo o processo de fabricação. Essas práticas abrangem desde a concepção e desenvolvimento até a distribuição e comercialização dos medicamentos.

Vamos explorar mais detalhadamente alguns aspectos das BPF.

Princípios das BPR

As BPF são baseadas em uma série de princípios fundamentais:

  • Higiene: Manutenção de um alto nível de higiene pessoal e ambiental para evitar contaminações. Limpeza e sanitização rigorosa das instalações e equipamentos.
  • Instalações e Equipamentos: Infraestrutura adequada e bem projetada para facilitar a limpeza e manutenção. Equipamentos devidamente calibrados, qualificados e mantidos para garantir a operação correta e segura.
  • Validação e Qualificação: Validação de processos críticos para assegurar que produzem consistentemente produtos que atendem às especificações de qualidade. Qualificação de equipamentos e sistemas para garantir que operam de acordo com os requisitos definidos.
  • Controle de Qualidade: Sistema robusto de controle de qualidade que abrange todas as etapas da produção, desde matérias-primas até o produto final. Testes rigorosos e contínuos para garantir que os produtos atendem às especificações de qualidade.
  • Documentação e Registros: Manutenção de documentação detalhada e precisa de todos os processos e operações. Registros completos que permitem a rastreabilidade de cada lote de produto.
  • Treinamento: Treinamento contínuo e adequado dos funcionários sobre os procedimentos de BPF e suas responsabilidades. Garantia de que todos os funcionários entendem e seguem os princípios das BPF.
  • Auditorias Internas e Revisões Regulares: Realização de auditorias internas regulares para identificar áreas de melhoria e garantir a conformidade com as BPF. Revisões periódicas dos sistemas de qualidade para garantir a eficácia contínua. 
  • Gerenciamento de Riscos: Implementação de uma abordagem sistemática para identificar, avaliar e controlar riscos relacionados à qualidade e segurança do produto. Análise de riscos em todas as etapas do processo de fabricação. 
  • Controle de Mudanças: Controle rigoroso de qualquer alteração nos processos de produção ou nos sistemas de qualidade. Documentação e avaliação das mudanças para garantir que não comprometam a qualidade do produto.
  • Desvios e Investigações: Procedimentos para tratar desvios e não conformidades, incluindo investigação, documentação e ações corretivas. Implementação de ações preventivas para evitar recorrência de problemas.
  • Reclamações e Recall de Produtos: Sistema para gerenciamento de reclamações de clientes e recall de produtos defeituosos. Análise das reclamações para identificar causas raízes e implementar melhorias.

Benefícios das BPF

O cumprimento das BPF oferece uma série de benefícios para as empresas farmacêuticas:

  • Garantia da qualidade e segurança dos produtos.
  • Redução do risco de recalls e não conformidades regulatórias.
  • Melhoria da eficiência operacional e redução de custos.
  • Reforço da confiança do mercado e reputação da marca.

Em resumo, as Boas Práticas de Fabricação são essenciais para garantir a qualidade e segurança dos produtos farmacêuticos, bem como para o sucesso operacional das empresas do setor. O compromisso com a conformidade e a excelência em todas as etapas do processo de fabricação é fundamental para atender às expectativas regulatórias e às necessidades dos pacientes.

Gestão de documentação e registro

Na indústria farmacêutica, a gestão eficaz de documentação e registro é crucial para garantir a conformidade com as regulamentações, além de fornecer um registro detalhado e preciso de todas as atividades relacionadas à fabricação, controle de qualidade e distribuição de produtos farmacêuticos. Abaixo, destacamos a importância e os aspectos da gestão de documentação e registro:

Importância da gestão de documentação e registro:

  • As regulamentações exigem que as empresas farmacêuticas mantenham registros detalhados de todas as atividades e processos relacionados à produção e distribuição de medicamentos.
  • Uma gestão eficaz da documentação é essencial para garantir a rastreabilidade e a prestação de contas em todas as etapas do ciclo de vida do produto.
  • A documentação precisa e completa é fundamental durante inspeções regulatórias e auditorias para demonstrar conformidade com as Boas Práticas de Fabricação (BPF) e outras diretrizes regulatórias.

Tipos de documentação na indústria farmacêutica:

  • Procedimentos operacionais padrão (POPs): Documentos que descrevem os procedimentos específicos a serem seguidos em diversas atividades, desde a produção até o controle de qualidade e distribuição.
  • Registros de lote: Documentação que registra detalhes específicos sobre cada lote de produto fabricado, incluindo matérias-primas utilizadas, processos de fabricação, resultados de testes de qualidade e distribuição.
  • Protocolos e relatórios de validação: Documentos que descrevem os procedimentos de validação de processos e métodos analíticos, bem como os resultados obtidos durante essas validações.
  • Relatórios de investigação de desvios: Documentação que descreve as investigações realizadas em caso de desvios de procedimentos ou não conformidades, bem como as ações corretivas e preventivas implementadas.

Práticas recomendadas:

  • Utilização de sistemas de gerenciamento eletrônico de documentos (GED) para armazenar, organizar e acessar facilmente a documentação.
  • Implementação de controles de revisão e aprovação para garantir que a documentação seja precisa, atualizada e revisada regularmente.
  • Treinamento adequado dos funcionários sobre os requisitos de documentação e registro e a importância da conformidade.
  • Auditorias periódicas dos processos de gestão de documentação para identificar áreas de melhoria e garantir a conformidade contínua com as regulamentações.

Benefícios da Gestão de Documentação e Registro:

  • Garantia da conformidade com as regulamentações e diretrizes regulatórias.
  • Facilitação de inspeções regulatórias e auditorias.
  • Melhoria da eficiência operacional por meio de processos documentados e padronizados.
  • Redução de riscos de não conformidade e recalls de produtos.

Portanto, a gestão eficaz de documentação e registro é essencial para garantir a conformidade regulatória, a qualidade dos produtos e a eficiência operacional na indústria farmacêutica. Investir em sistemas e práticas robustas de gestão de documentação é fundamental para o sucesso das operações farmacêuticas. É uma busca contínua de excelência e, acima de tudo, segurança no nosso setor.

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